A Dinâmica Psíquica da Cura Amorosa Expressa na Imagem Poética Musical
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A experiência amorosa nos leva à sensação da totalidade e, portanto, tem a capacidade de reparar e curar feridas que tendem a manter certos conteúdos psíquicos apartados da consciência.
Para que possamos entender a força e a dimensão curativa do amor, usaremos a linguagem poética de duas líricas musicais (Iluminados – Ivan Lins e De Volta ao Começo – Gonzaguinha). Devemos considerar que a linguagem artística atinge de imediato as imagens da alma e revela esta dimensão psíquica. A natureza da alma, como a do amor, pertence ao mundo do inominável, ao mundo do silêncio, que se encontra no mais profundo do ser. Portanto, somente o artista pode dar forma e corpo àquilo que é indizível. Escrever sobre o amor é confrontar-se com o inexplicável, sendo assim, transitaremos através das imagens poéticas propostas, a fim de vivenciar tal experiência.
“Assim como se abre uma ‘porta’ em que se bate ou se revela um ‘caminho’ para aquele que procura, do mesmo modo começa para aquele que se põe numa relação (transcendental) com o seu centro, um processo de conscientização que tende para a unidade e para a totalidade. O homem assim não se vê um ser isolado, mas como um uno. Só a consciência subjetiva se encontra isolada. Mas logo q eu se relaciona com seu centro, ela se integra ao todo. Quem executa a ronda contempla a própria imagem no centro refletor, e o sofrimento do individuo é o sofrimento que aquele que se acha no centro ‘quer sofrer’. Não se poderia exprimir a identidade e a diversidade paradoxais, do eu e do si-mesmo de maneira mais bela e apropriada”.[3]
Faremos a seguir um recorte da ação da função transcendente no processo de cura psíquica desencadeada pela vivencia amorosa. “Quem percorrer a estrada que leva à totalidade não poderá escapar àquela suspensão característica que é representada pela crucifixão”.[4] Vale lembrar que todo casamento causa uma transformação e o ego teme esse novo e criativo gerado pela relação amorosa, pois para que a nova atitude possa existir é necessário que haja uma morte parcial desse ego pra dar lugar a vivencia amorosa. O amor só pode acontecer numa relação dialética Eu-Tu, como denomina Martin Bubber, pois ambos são sujeitos transformados e transformadores na relação.
Iluminados
Ivan Lins
O amor tem feito coisas
Que até mesmo Deus duvida
O poder divino, criativo e infinito do amor é sempre causador de espantos onde o próprio criador é surpreendido.
Já curou desenganados
Já fechou tanta ferida
A restauração amorosa só é possível ao colocar-se em relação, o que gera a atitude criativa e renovadora.
O amor junta os pedaços
Quando um coração se quebra
Mesmo que seja de aço
Mesmo que seja de pedra
Independente da natureza da dor, o amor é este grande poder restaurador.
Fica tão cicatrizado
Que ninguém diz que é colado
Há uma regeneração total e imperceptível das feridas amorosas.
Esta regeneração só pode ser feita pelo seu grande causador, o próprio amor.
Foi assim que fez em mim
Foi assim que fez em nós
Esse amor iluminado
Temos agora uma imagem amplificada dessa dinâmica psíquica amorosa que em seu caminho à individuação integra-se ao coletivo e ao cósmico.
De Volta Ao Começo
Gonzaguinha
E o menino com o brilho do sol na menina dos olhos
Sorri e estende a mão entregando o seu coração
E eu entrego o meu coração
No encontro amoroso é necessária uma entrega consciente e recíproca para que haja uma relação de transformação e
criação. A consciência afetiva está aqui representada pelo brilho do sol na menina dos olhos, num encontro de Logos
e Eros.
E eu entro na roda e canto as antigas cantigas de amigo irmão
As canções de amanhecer lumiar a escuridão
A integração da experiência do passado vivido é parte do caminho de reconhecimento dos conteúdos afetivos vivenciados,
mas ainda não diferenciados totalmente. Amanhecer da consciência afetiva demonstra tal incipiência da consciência,
assim como fica expressa a necessidade de lumiar a escuridão, colocar luz no inconsciente.
E é como se eu despertasse de um sonho que não deixou viver
E a vida explodisse em meu peito com as cores que eu não sonhei
Apenas após o amanhecer, o conscientizar-se, é possível uma percepção de atitudes anteriormente distantes da
consciência. O despertar da vida traz o movimento e a atitude de envolver-se em tal processo. Explode, então, toda
uma nova gama de possibilidades afetivas representadas por cores jamais sonhadas. Uma vez em contato com essas
cores é possível a discriminação de seus matizes.
E é como se eu descobrisse que a força esteve o tempo todo em mim
A união de Eros e Logos que possibilita vislumbrar o sentido e a força amorosa integrativa nessa existência.
A criação jorra dessa fonte de força nunca antes encontrada.
E é como se então de repente eu chegasse ao fundo do fim
De volta ao começo
Chega-se, então, à totalidade. A individuação que leva ao fundo do fim, a uma integração cósmica que só é possível
com o retorno à totalidade selfica diferenciada pela cura amorosa integrativa de todos os opostos. Ao fundo do fim
de volta ao começo ...fim e começo como um par de opostos não mais indiferenciado como no inicio da existência,
mas sim, unidos na transcendência da coniunctio real.
Concluiremos este trabalho lembrando que o caminho amoroso da alma integra à consciência todas as partes extirpadas da totalidade pelas experiências dolorosas no percurso da vida.