Carta Aberta –  Sobre as guerras no mundo

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Caros colegas,

         Sobre as guerras no mundo

O mundo adoeceu. Isso mesmo! Está enfermo em sua dimensão humana e hoje sofremos com a desumanização. Viemos, por meio destas linhas, convidá-los a olhar junto conosco para a crise na alma do mundo que assola a existência. 

De acordo com a ONU, o mundo vive uma nova era de conflitos. São cinco batalhas em andamento, sendo a última iniciada no dia sete de outubro. Guerras que, rapidamente, caem no esquecimento em decorrência das avalanches de notícias e, com isso, de maneira acelerada ficam invisíveis aos olhos de todos.

O que isso nos conta? Que face é essa que é apresentada? O que se revela na humanidade? Como um conflito pode ser impactante e depois de alguns meses entrar na zona da normalização? O que no ser-humano é capaz de desejar aniquilar o seu igual? O Outro, que carrega a imagem do mal, escancara que é uma noção de juízo equivocado o combustível dos conflitos sangrentos. Pensando na sombra, conceito familiar a nós, se há um lado seduzido pela noção da bondade, haverá a sedução do mal. A biógrafa de Hannah Arendt, Ann Heberlein,  no livro “Arendt. Entre o amor e o mal: uma biografia”, traz a reflexão do escritor sueco-filandês Willy Kyrklund referente a um argumento de Kant que nos ajudará na construção do pensamento. 

“A história da humanidade nos mostra que a bondade está em constante crescimento. Através dos milênios, a ideia da bondade e a demanda pela bondade ocupam um lugar cada vez maior no imaginário humano e na sociedade”. 

Segue com a consideração dele: 

“A bondade é crucial para a arte da guerra. Para haver guerra é importante que ao menos uma das partes invoque uma boa causa. Se ambas as partes invocarem uma causa sensata, nenhuma guerra surgirá, pois um conflito de interesses sempre pode ser solucionado de forma racional. No entanto, essa alternativa se realiza mais raramente, porque a razão não goza da mesma popularidade que a bondade e, portanto, não chega nem perto do mesmo impacto político. Em consequência, a boa causa tende a ser invocada no lugar de argumentos racionais, preparando o terreno para a guerra e conflitos”.     

A tensão mundial entre  a ideia dos opostos coloca a psicologia em um lugar perigoso, pois se há oposição, há o ideal do caminho do meio ou de um combate. Sendo assim, como podemos compreender o adoecimento da humanidade quando não pensamos dialeticamente? Enquanto olhamos as polaridades, ocupando lugares distintos e contrários, nos mantemos em unidades egóicas. A Oposição é em si mesma um lugar único, não há separação entre o bem e o mal, entre eles e nós e nem uma saída criativa que não seja ir até a raiz mais profunda para uma alteração real da consciência. A ideia de saída da dualidade é manter o status duo, no entanto, precisamos entender que sempre foi uno. Não existem tonalidades entre o bem e o mal, o bem e o mal é um estado único e precisamos olhar para essa base. A guerra expõe o pior da humanidade, o desejo sombrio de aniquilar a si mesma. É nosso papel como cidadãos, nos fortalecermos na consciência de que a ruína do outro é a morte de si mesmo.

A nossa voz e os nossos corações clamam por um movimento pacifista, por uma trégua em tantos conflitos espalhados pelo mundo, mas acima de tudo, pelo respeito ao valor humano e ao valor da vida. Como Analistas Junguianos, interessados na livre expressão da alma humana, sempre defenderemos a liberdade de existência. Por este motivo, nos engajamos ativamente nas lutas contra todos os tipos de pré-conceitos sejam eles raciais, de gênero, cultural, religioso ou qualquer outro. 

Há uma onda agressiva e crescente de ataques a diversas comunidades e culturas, pois representa um retrocesso humano a uma era tão esclarecidamente ultrapassada. Ao lado dela se destaca um silêncio igualmente assustador, que é o mesmo que manteve ativas as dinâmicas opressoras contra gênero, raça e outras formas de existência que recentemente conquistaram o direito de voz e denúncia. Nos calarmos frente a essa dinâmica se equivale a abrirmos um precedente grave de tolerância para dinâmicas inadmissíveis. Por isso, mais do que nunca, é hora de trazermos a força da nossa voz para valorizar o humano e o direito de existir de acordo com a própria natureza

 Quando falamos em paz, nos posicionamos a favor  do convívio respeitoso, inclusivo e aberto, independentemente da cor da pele, da identificação de gênero, do padrão educacional, econômico social, religioso ou mesmo político. Entendemos que as infinitas variações de pensar são características essenciais e inerentes  à alma humana e esse é o nosso valor.

Nós, membros do IPAC, acreditamos na força  do encontro das diferenças como caminho para a construção de um mundo melhor. Nossa profunda solidariedade às vidas perdidas e a toda dor gerada. Nos colocamos imensamente comprometidos com a noção de que o dissemelhante terá sempre lugar de existência e respeito, mesmo frente às discordâncias.  

Valinhos, 22 de novembro de 2023

Instituto de Psicologia Analítica de Campinas

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