A Perda Amorosa e sua Dinâmica Psíquica na Lírica Musical
Podemos dizer que neste estado psíquico há uma redução na capacidade transformadora da psique, dificultando o movimento simbólico em direção à transcendência.
“In the world of the unconscious, love is one of those great psychological forces that have the power to transform the ego. Love is the one power that awakens the ego to the existence of something outside itself, outside its plans, outside its empire, outside its security. Love relates the ego not only to the rest of the human race, but to the soul and all the gods of the inner world.” (pag 191,192 Johnson, Robert – We)
“Penso que a aceitação da falta seja outro traço estrutural da nossa existência. Toda a nossa vida é uma luta para captarmos aquela coisa que nos escapa, e para podermos lutar devemos aprender a sentir sobre os nossos ombros o peso da ausência do outro.” (Coratenuto Aldo Eros e Pathos, 55)
Portanto a sua falta à impossibilidade criativa, à ausência de transformação da consciência/personalidade e, conseqüentemente, a um bloqueio da energia psíquica.
O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão da dinâmica psíquica na perda amorosa representada simbolicamente na lírica musical das seguintes obras: Peixe Vivo (Milton Nascimento), Nada de Novo (Paulinho da Viola) e Cordas de Aço (Cartola). Temos aqui, com estas obras, apenas um recorte de alguns matizes pertencentes à psique e seus processos dinâmicos.
“O que significa o fim de uma relação? Significa sobretudo uma desestruturação, a ruína de uma organização psicológica que havíamos lentamente construído. No entanto com o outro (o que equivale a dizer: na aproximação de uma dimensão psicológica diferente), nós nos desestruturamos de maneira nova. A relação nos modifica, porque a necessidade de unir-se a um ser humano e a necessidade de manter uma relação desencadeiam mecanismos transformadores que mudam a nossa organização psicológica, tornando-a, por assim dizer, mais apta a entrar em sintonia com quem amamos. No momento da ruptura e do abandono essa nova organização fica perturbada e pomos em discussão nós fundamentais da nossa existência, já que poder ter um vinculo significa basear a existência não mais na própria individualidade, não mais em referencia a nos mesmos, mas em referencia a outra pessoa. A mão que o outro me dá me permite manter o meu equilíbrio, a mão que ele tira no momento da ruptura me conduz a uma nova situação de equilíbrio, passando, porém, através da queda. O que se pode fazer nesses momentos, momentos desesperados, para os quais os adjetivos não são mais suficientes? …toda experiência de abandono e de conclusão do vinculo não é mais confrontável a casos semelhantes. Toda situação de fim tem sua identidade peculiar e nenhum ponto de referencia com o exterior. Neste ponto, estamos verdadeiramente sós com o nosso desespero.” (Coratenudo, aldo Eros e Pathos pág 125)
Observemos agora a imagem desta perda amorosa em nossa primeira lírica, na qual temos inicialmente o titulo paradoxal de “Peixe Vivo” e da dor da alma vazia.
Peixe Vivo
Milton Nascimento
A minha alma chorou tanto,
Que de pranto está vazia
Desde que aqui fiquei,
Sem a sua companhia
Não há pranto sem saudade
Nem amor sem alegria
É por isso que eu reclamo
Essa tua companhia
Como pode um peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia?
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia?
“Em princípio, a psiconeurose é o sofriemtno da alma que não encontrou seu significado. Mas do sofrimento da alma partem toda criação espiritual e todo progresso do ser humano espiritual, e a base do sofrimento é a paralisação espiritual, a esterilidade da alma.” (Jung Sobre o amor, pag 19)
“Em cada união singular procuramos a dimenssão do eterno, porque um pedaço de eternidade existe efetivamente em toda realção, assim como existem inexoravelmente a sombra e o destino da morte.” (Coratenuto Aldo, Eros e Pathos, pag 133)
Nada de Novo
Paulinho da Viola
Parece até que o coração me diz
Sem ela eu não serei feliz
Papéis sem conta
Sobre a minha mesa
O vento espalha as cinzas que deixei
Em forma de poemas antigos
Relidos
Perdido enfim confesso
Até chorei
Nada mais importa
Você passou
Meu samba sem razão
Se acabou
Um sonho foi desfeito
Alguma coisa diz
Preciso abandonar
Os versos que já fiz
Nada de novo
Capaz de despertar
Minha alegria
O sol, o céu, a rua
Um beijo frio, um ex-amor
Alguém partiu, alguém ficou
É carnaval
Eu gostaria de ver
Essa tristeza passar
Um novo samba compor
Um novo amor encontrar
Mas a tristeza é tão grande no meu peito
Não sei pra que a gente fica desse jeito
“ Ao amor pertencem a profundidade e a fidelidade do sentimento, sem os quais o amor não é amor, mas somente humor. O amor verdadeiro sempre visa ligações duradouras, responssáveis. Ele só precisa da liberdade para a escolha, não para sua implementação. Todo amor verdadeiro profundo é um sacrifício. Sacrificamos nossas possibilidades, ou melhor, a ilusão de nossas possibilidades. Quando não há esse sacrifício, nossa ilusões impedirão o surgimento do sentimento profundo e responsável, mas com isso também somos privados da possibilidade da experiência do amor verdadeiro.” (Jung Sobre o amor pag 23)
“ Tudo o que vive junto influencia-se mutuamente; surge uma participation mystique; o mana de um assimila o mana de outro. Essa identificação, esse apego é um grande obstaculo para um relacionamento individual. Quando se é idêntico, não há possibilidade de um relacionamento; este só é possível quando há separação.” (Jung Sobre o Amor pag.45)
“…a primeira experiência que se vive é do passado, é uma recusa do presente; a primeira “recordação”, como a chamaremos mais tarde, é ao mesmo tempo um choque, uma frustração por ter perdido aquilo qu enão existe mais, e a persistência da consciência, da certeza de que deveria ainda existir.” (Coratenuto Aldo, Amar trair pag 141)
Cordas de Aço
Cartola
Composição: Cartola
Ah, essas cordas de aço
Este minúsculo braço
Do violão que os dedos meus acariciam
Ah, este bojo perfeito
Que trago junto ao meu peito
Só você violão
Compreende porque perdi toda alegria
E no entanto meu pinho
Pode crer, eu adivinho
Aquela mulher
Até hoje está nos esperando
Solte o teu som da madeira
Eu você e a companheira
Na madrugada iremos pra casa
Cantando…
“Assim também a solução do problema do amor exige o empenho do homem por inteiro, até seus limites. As soluções libertadoras só existem quando o esforço é integral. Todo o resto é coisa malfeita e inutil. Só se poderia penssar em amor livre se todas as pessoas realizassem elevados feitos morais.” (Jung Sobre o Amor pag 23)
“…todo fenomeno que diz respeito ao universo humano – o crescimento, o amor, a criatividade – deve ser confrontado com seu lado escuro, com sua morte, para se descobrir que o que nos limita e nos trai talvez seja também o que nos determina e nos revela.” (Coratenuto Aldo, Amar trair pag243)
“…um episódio de amor “de primeira grandeza”, daquelas que deixam marcas, vitais e mortais ao mesmo tempo. Na realidade o epílogo de tal episódio não é exatamente a morte: sobrevive-se justamente porque a perda deve ser vivida até o fundo.” (Coratenuto Aldo, Eros e Pathos, pag127)
“…essa dimensão de falta que estimula a busca do outro como totalidade, representa para o homem uma continua promessa de diferenciação e de mudança. Todos nos que temos a sorte de nos enamorar tomamos realmente consciência da metamorfose que produziu quando saímos dessa experiência, mas ainda conseguimos intuí-la mesmo enquanto a atravessamos. Deve ser dito, porém, que se requer um pouco de coragem, porque uam promessa de completude implica sempre também o risco de um fracasso.”(Coratenuto Eros e Pathos, pag 55)
Na madrugada iremos pra casa cantando… apenas a existencia do amor, de Eros, que une e se relaciona é capaz de resistir ao corte da diferenciação feito pelo Logos… que psicologicamente é vivida como uma perda amorosa, pois algo morre e se separa na diferenciação. Pode-se assim vislumbrar uma nova luz de consciencia representada pela madrugada que traz a emergencia criativa à psique (eu, você e a companheira) Logos, Eros e a Alma, juntos cantando, criando o novo. E voltando pra casa, ou seja, ao self criativamente.
Concluindo este trabalho temos que o caminho amoroso da alma casa-se ao sentido do espírito, sendo que tal casamento só pode ser realizado como conseqüência do movimento do amor e da perda amorosa, na busca da totalidade. Vale lembrar que “o amor do espírito e o espírito do amor precisam de completude” (Jung Sobre o amor pág 60), portanto este é o caminho natural da psique.
“O amor é como Deus: ambos só se oferecem a seus serviçais mais corajosos.” (Jung Sobre o amor pág 11)
“Raramente, ou melhor, nunca um casamento evolui a um relacionamento individual de forma serena e sem crises. Não há conscientização sem dores.” (Jung sobre o amor pág 41) “…aceitar a realidade total com todas as suas oposições e paradoxos, tanto os aspectos terrificantes e frustrantes como as dimensões puras e inspiradoras. …o que Malte imaginará: amar é agüentar.” (Linda S Leonard, No caminho para as núpcias, pag302)
CORATENUTO, A. –Amar e Trair, Quase uma Apologia da Traição. Paulus, São Paulo, 2004.
CORATENUTO, A. – Eros e Pathos, Amor e Sofrimento. Paulus, São Paulo, 1994.
JOHNSON, R.A. – We, Understanding the Psychology of Romantic Love. Harper & Row, San Francisco, 1983.
JUNG, C.G. – Sobre o Amor. Idéias e Letras, São Paulo, 2005.