Entrevista com Dulce Helena Briza – Revista Autor-

Entrevista com Dulce Helena Briza

Sex, 01 de Julho de 2011 00:00 | Author: Paulo Milhomens |    

Para esta edição, entrevistamos Dulce Helena Rizzardo Briza, psicóloga clínica, analista didata, membro do Instituto Junguiano de São Paulo, membro fundadora do Instituto Junguiano do Paraná e do Instituto de Psicologia Analítica de Campinas, membro da International Association for Analytical Psychology – IAAP. Autora de A Mutilação da Alma Brasileira: um estudo arquetípico (Vetor Editora) e co-autora de Puer e Senex: dinâmicas relacionais (Editora Vozes). Autora de artigos para revistas especializadas, para Cadernos Junguianos e professora convidada para os cursos de especialização e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialização da UNICAMP. Professora convidada pelos institutos da AJB para seminários e supervisões. Foi diretora de ensino da Associação Junguiana do Brasil e do Instituto de Psicologia Analítica de Campinas e diretora de cursos e eventos do Instituto Junguiano do Paraná. Clinica e dá supervisões em seu consultório em São Paulo.

 

Bem, gostaria de começar perguntando sobre o livro “A multilação da alma brasileira – um estudo arquetípico” (Vetor Editora, 2007), na qual você faz uma interpretação singular a respeito da formação do Brasil. Tradicionalmente, historiadores/as e sociólogos/as ocupam este papel, mas os psicólogos já demonstram interesse significativo por questões relacionadas às Ciências Sociais mais próximas. Os estudos em psicologia com enfoque histórico-social?

Minha formação se baseou nos campos das Ciências Sociais e da Psicologia. Sabemos que é importante ter um enfoque multidisciplinar para entender o indivíduo e a sociedade. O próprio Jung transitou pelas abordagens da antropologia e da filosofia. Apoiado em Burckhardt[2], salientou que a cultura é fundamental para entender o indivíduo que está inserido nela e que a libido traça o mesmo percurso para ambas. A Psicologia Analítica trabalha com os conceitos de Arquétipo e Inconsciente Coletivo[3]; dessa forma sua abordagem implica num raciocínio antropológico. É preciso que recorramos ao estudo das sociedades tribais e seus mitos para poder entender e respeitar o Self Cultural e o individual de pessoas e culturas[4].

Trabalhamos a identidade e o resgate da alma. É importante também resgatar nossa alma nacional e ancestral que, pelo desrespeito, ficou no inconsciente. Para isso tudo é preciso conhecer nossa história, nossos mitos, nossos ritos.

Os mitos, que têm um significado vital, não só representam, mas também são a vida anímica de uma tribo primitiva, que pode degenerar ou desaparecer ao perder sua herança mítica, da mesma forma que um homem sofre a perda da alma.

O que acontece e o que aconteceu com o povo brasileiro sempre me intrigou e tentei estudar o passado e o presente deste imenso Brasil como se fosse um indivíduo. Sabemos que nosso território é grande e que tem muitas diferenças regionais. Apesar disso tive a pretensão de estudar esse indivíduo chamado Brasil fazendo uma análise da mutilação da alma do negro, do branco e do índio, que basicamente iniciaram a formação do povo brasileiro. No livro mostro que essa mutilação é representada pelos mitos do saci, do curupira e da mula-sem-cabeça, entre outros. Nele procuro explicar a origem dos males que nos assolam, como a corrupção, o “jeitinho brasileiro”, a falta de ética e a pobreza, tentando apontar soluções a partir de um raciocínio baseado na Psicologia Analítica. Alerto também os psicoterapeutas para suas responsabilidades como cidadãos e como profissionais nesse contexto social.

Ouvindo isso, relaciono diretamente o posicionamento político, social, cultural com as questões históricas deste país. Já que a Psicologia Analítica (ou Junguiana) se desdobra até o indivíduo Brasil e levando até essa perspectiva de um Self Cultural, pelo que entendi, não há como isolar a clínica das complexidades culturais que estamos inseridos. Não seria este, o aspecto mais notável desta psicologia?

Sem dúvida, por isso tive a pretensão de olhar o Brasil como um indivíduo. Penso que o analista não pode ficar isolado numa torre de marfim. O homem não realiza seu processo de individuação isolado, faz parte desse processo a interação e a consciência da realidade histórica, social e cultural em que está inserido. Precisamos conhecer nossas raízes, fazer um diagnóstico de quem somos como pessoas e como cultura para que possamos saber o que acontece conosco em termos individuais e coletivos.

Tentei no livro ampliar a visão microcósmica do trabalho no consultório para uma abordagem macrocósmica de nosso país. Aliás, tenho a experiência clínica de que do consultório surgem idéias e ações baseadas em angústia de pacientes que resultam na melhoria de aspectos sociais, por exemplo, melhoria de condições hospitalares, tentativa de conscientização das pessoas na mídia, além de criações artísticas e culturais. O trabalho clínico ajuda o paciente a buscar soluções e saídas para resolver suas carências e sofrimentos profissionais muitas vezes interferindo na melhora das condições do seu meio.

Exato! As relações entre contextos distintos, particulares ou coletivos (que não perdem sua conexão com os movimentos de transformação política) possibilitam uma maior ampliação do sujeito/a em seu meio… Curiosamente, o estado em que moro está passando por um período de greves em vários setores, por melhorias na Educação, Saúde, Segurança Pública… E o que é mais interessante: pela primeira vez na história do Rio Grande do Norte haverá uma greve de todas as categorias. Talvez, penso, o Self Cultural seria uma nova proposição de transformações por uma identidade (pessoal/impessoal) mais igualitária… Mas estou comentando com você apenas um aspecto do que pode sair dos “bastidores da clínica”. O que acha?

O trabalho de consultório corresponde ao vaso alquímico onde ocorrem as transformações. Nele acolhemos as expressões do Self do individuo que nos apontará os caminhos para seu processo de individuação. O Self é a totalidade psíquica. É um princípio unificador e tem posição central de autoridade no que se refere à vida psicológica e ao destino de um indivíduo. As manifestações do Self estão nos conteúdos de mitos e lendas. Ampliando esse conceito para a cultura, ou seja, para o Self Cultural, precisamos da observação de nossas raízes, mitos, lendas e demais expressões da cultura, o que nos dará consciência e meios de transformação para o processo de crescimento, que não é rápido e nem unilateral, principalmente para um país tão grande e complexo como o Brasil, onde permeiam regiões e culturas das mais diversas.

Na análise acolhemos os conteúdos e expressões da psique do paciente e cautelosamente e carinhosamente proporcionamos um espaço para que ele possa conduzir seu próprio destino. O analista não é um impositor de idéias. É presunção nossa dizer ao sujeito o que é bom e o que não é. Nosso julgamento deverá ser hipotético. Cabe ao paciente dizer o que é bom ou não para ele. É importante que a análise facilite ao paciente a elaboração de seus valores. Através disso e do autoconhecimento ele poderá atuar no mundo que o cerca. Muitas vezes surgem questionamentos éticos e posso dar o exemplo de uma paciente de classe média alta, universitária, que há algum tempo disse que votaria em determinado político porque ele “rouba, mas faz”. Perguntei então se para fazer é necessário roubar e se havia outros motivos para o voto. O voto não estava sendo dirigido. O que estava sendo questionado era a ética. Penso que o consultório não é um bastidor, mas o palco onde a alma se apresenta. Quanto às greves, entendo que todo tipo de mobilização, discussão e encontros coletivos, mesmo as greves conjunturais, podem fazer parte do processo de transformação e ampliação da consciência, mas é necessário ir além. Estamos agindo como pessoas que olham mais fundo e querem uma modificação estrutural ou apenas um pouco de leite na mamadeira? A indução e manifestações de massa sem intenções efetivamente transformadoras são facilmente manipuláveis e dirigidas para intenções políticas diversas daquelas que motivaram o movimento. Vale lembrar o contingente populacional que Mussolini e Hitler conseguiram mobilizar e, além disso, podemos nos indagar se o seu surgimento não aconteceu como expressão de uma necessidade do povo alemão e italiano da época. O filósofo Burckhardt disse que todo grego do período clássico trazia em si um pouco de Édipo[5], assim como todo alemão tem em si um pouco de Fausto[6]. Podemos ousar inferir que todo brasileiro tem um pouco de Macunaíma[7]. E Jung falou que os “ismos” eram semelhantes às grandes pestes que assolaram a Idade Média. Portanto, nazismo, capitalismo, comunismo, chavismo, populismo, terrorismo e outros “ismos” podem se tornar armas mortais. Jung e Freud, que foram pensadores e analistas, se preocuparam com os movimentos sociais de sua época e deixaram escritos tais como “Aspectos do Drama contemporâneo”, “Civilização em Transição”, de Jung, e “O Mal-Estar na Civilização”, de Freud. Os analistas também deveriam refletir e expressar suas posições.

Isso me faz pensar na totalidade do Self (Si Mesmo) tomando a consciência de algum tema mitológico. Agora recordo Campbell no livro “A jornada do herói”, ao comentar os temas míticos que insurgem do Inconsciente Coletivo: uma jornada repleta de perdas e ganhos e que possui um significado maior do que o objeto a ser alcançado! Ou seja, todos/as, sujeitos/as de uma modernidade confusa na formulação de novos valores (família, relacionamentos, trabalho, etc). Talvez, apoiar-se numa grande ideologia – seja de esquerda ou direita – acaba por mutilar a real capacidade de mostrar nossa singularidade, individualidade, uma nova forma de solidariedade e, que obviamente, refletirá numa coletividade mais si mesma… Mas o que eu quero perguntar mesmo é sobre essa filosofia macunaimesca que você se refere: heroísmo sem nenhum caráter seria (talvez) nosso dilema central?

As manifestações do Self nos inspiram e ajudam na tomada de consciência. O Ego é o centro da consciência e o Self é o centro da psique.

Quanto ao herói sem nenhum caráter, eu diria que é um dos nossos problemas cruciais. O arquétipo que está por trás do ego é o do herói, cujo caminho se dá para dentro de camadas profundas e numa trajetória onde são superadas resistências obscuras e a energia das forças esquecidas ou perdidas são revitalizadas. Isso gera uma transformação. Por meio de algum tipo de sacrifício ele se transforma e também ao seu povo. A ação do herói se dá com uma perspectiva de transcendência. Ele pode ser o salvador e defensor de alguém ou de um povo. Percebemos na obra “Macunaíma”, de Mario de Andrade, essa magnífica rapsódia, que Macunaíma é o anti-herói, pois deixou a consciência na ilha de Marapatá e no final não a encontrou mais. Pegou então a consciência de um hispano-americano e, se dando bem, acabou deitado na rede com as saúvas devorando sua maloca, o casal de legornes e o papagaio na barriga, dizendo “pouca saúde e muita saúva/ os males do Brasil são”. Antes, enquanto contava suas glórias passadas foi atraído para o fundo do lago pela Uiara disfarçada de boniteza morena. Saiu sangrando, mutilado, ficou sem uma perna como o saci que, como ele, não tinha consciência. O lado negativo do saci é que ele suga a vida anímica, a força e a energia que podem levar à transformação. Faz um trabalho oposto ao do herói, que liberta energia. Macunaíma morreu e virou estrela porque não achou mais graça nesse mundo. Diferentemente do herói que tem consciência e escolhe o sacrifício, Macunaíma foi para o céu porque aqui não estava mais gostoso. Foi destruído pela sombra (formigas e piranhas). O herói brasileiro não levou a contento a capacidade da transformação, do amadurecimento.  Ficou no mundo da Grande Mãe, na preguiça, na inconsciência, na falta de reflexão, só na extroversão. Perdeu seu muiraquitã (o talismã) e não o resgatou. Perdeu sua referência, seu mito, sua ligação com o Self. Pela inconsciência, de índio tornou-se negro, depois branco, mas não fez a síntese, a união de opostos, o que seria seu ato heróico. Não sabia quem era, não poderia ter caráter. O Trickster[8] mutilado precisa perder sua forma aleijada renascendo simbolicamente à sua forma alada, transcendente. Deixará de estar conectado apenas com o lado mais primitivo, malandro, esperto, corrupto, indiscriminado e passará a ser um elemento iniciático.

Para mudarmos precisamos nos desfazer do arquétipo de esperto, do safado. E para isso, precisamos estar tocados, isto é, como dizia Jung, lidarmos melhor com o sentimento que está reprimido na humanidade. Tendo o sentimento seu fluxo nas pessoas e essas tendo adquirido um autoconhecimento, poderemos substituir a ética do derrotismo, do cinismo, do descrédito por uma ética mais saudável.

Agora eu pergunto: temos heróis? Sabemos que historicamente nunca tivemos uma transformação que contasse com o apoio da consciência popular. A Independência se deu num ato quase isolado, assim como a proclamação da República. Não houve um apoio popular expressivo.

Caímos então na importância da saúde e da educação, que poderão proporcionar meios para que a população adquira consciência e, de preferência, caráter e cidadania. Nosso sacrifício acontecerá na medida em que houver transformação e integração do mundo primitivo, caótico, infantil, inconsciente, para a consciência. O povo brasileiro, como Macunaíma, vinha vindo num processo de mutilação e não de sacrifício do lado negativo da Grande-Mãe. Hoje em dia, já temos instalada a democracia, que espero dure bastante. Isso poderá fortalecer nosso redescobrimento e nossos heróis serão consagrados com o resgate da ética e da saúde psíquica e também física do povo brasileiro.

Ouvindo isso, lembrei do Mito de Hécate (Grécia) e as simbologias que nos levam até o mundo antigo das Deusas, pertencentes à Idade do Bronze. No livro de Nise da Silveira[9], “Imagens do Inconsciente”, são observadas através de pacientes, pinturas e esculturas juntamente a seu processo terapêutico, a revivência destes mitos. Uma interna chamada Adelina, reprouz – sem nunca ter estudado Mitologia ou Artes – um tema mítico, cuja metáfora se reporta ao Mundo das Mães (das Grandes Deusas), lugar que concentra luz e sombra. Macunaíma também reviveu isso através da literatura de Mário de Andrade: a jornada heróica que, basicamente, tem uma finalidade alquímica e de transformação (individual/social). Tomar consciência destes processos individualmente e revivê-los numa metáfora coletiva é a imagem mais clara que tenho de Self (Si Mesmo). É como aquela velha frase, meio que um dito popular: “Tudo acaba em pizza”. Numa greve, na política brasileira, na educação… Você é otimista quanto à nossa jornada? Que provocação essa, hein? (risos).

Paulo, no caso da Adelina, você está falando de inconsciente coletivo. Também, como disse acima, Macunaíma não fez uma jornada heróica, pois deixou a consciência de lado.  O Self se constela na consciência. Ele está além dela, ele é. Quem toma consciência é o Ego.

Torço pelo Brasil e, como disse, nossa saída se dará pelo exercício da democracia e pela conscientização do povo, através da Educação. Acho que estamos ainda na adolescência (se é que é possível generalizar num país tão grande e complexo) e nosso processo leva tempo. Não podemos nos esquecer que nossa terra tem só 511 anos e foi descoberta num período colonialista e o povo sempre foi marginalizado dos processos decisórios, enfim, a alienação e a incapacidade de exercer uma ação e um pensamento mais elaborado e consistente foi uma constante. Temos muitos “espertos” e a malandragem sempre foi vangloriada e cantada em músicas. Não podemos nos esquecer de que um pensamento mais “sofisticado” é fruto de conhecimento e reflexão. E para pensar com eficiência precisamos ter saúde.  Temos esses problemas resolvidos? Estamos dispostos a fazer sacrifícios para que hajam transformações? Estamos dispostos a abrir mão do “jeitinho”, da corrupção e do nepotismo? Queremos de verdade uma sociedade mais justa, mesmo às custas de abrirmos mão de alguns privilégios? Temos heróis? Já adquirimos uma identidade? Já fizemos a síntese das raças que nos formaram?  Estamos livres da auto-avacalhação e do complexo de inferioridade? Valorizamos nossa cultura e nossas raízes? Lidamos com nossa sombra? Quando essas questões forem resolvidas, as coisas não “acabarão em pizza”. Seremos consequentes.

Acho que tanto você quanto eu amamos esse país e por isso estamos falando sobre ele. Procuramos analisar seu processo e formação. Queremos descobrir como fazer um Brasil melhor e mostrar que a Psicologia pode e deve contribuir para isso. Não estamos de braços cruzados…

 



2 Jacob Cristoph Burckhardt (1818-1897), historiador e filósofo suíço. Serviu de inspiração a muitos cientistas sociais entre os séculos XIX e XX (particularmente antropólogos, historiadores e algumas psicologias específicas, como a de Jung). Briza destaca sua importância para o contexto de estudos que envolvem a Psicologia Junguiana ou Analítica.

3 O conceito de Arquétipo e Inconsciente Coletivo são duas abordagens empíricas e teóricas da  psicologia desenvolvida por Carl Gustav Jung (1875-1961). Para um estudo aprofundado, recomendamos Fundamentos de Psicologia Analítica, as conferências de Tavistok (Vozes, 1972), Os arquétipos e o inconsciente coletivo (Vozes, 2008), O eu e o inconsciente (Vozes, 1978) e Jung, Vida & Obra, escrito por Nise da Silveira (Paz e Terra, 2006). O Arquétipo corresponde a todas as estruturas psíquicas arcaicas que repousam no inconsciente da humanidade. Ou seja, caracteres herdados de várias gerações e culturas que embora distantes pela geografia e diferenças lingüísticas, apresentam singularidades em suas respectivas cosmologias. Algo importante a ser esclarecido é a peculiar visão que Jung atribuiu aos fenômenos provenientes dessas tipologias arcaicas, pois segundo sua constatação, reproduzimos imagens arquetípicas em nosso inconsciente pessoal que por sua vez, liga-se a um inconsciente impessoal – vasto e pertencente a todas as culturas, mas com estruturas simbólicas singulares e adaptadas a contextos próprios.

4 Self (Si Mesmo) é a totalidade e o centro regulador de toda personalidade. É o arquétipo do sistema auto-regulador da psique e dele depende o bem-estar e o equilíbrio do indivíduo. O ego é influenciado pelo Self e dessa forma se adapta a todo o sistema psíquico. Sua significação psicológica corresponde ao centro regulador da psique. Self Cultural é quando elevamos essa perspectiva do individual até o coletivo.

5 Édipo (em grego antigo Οἰδίπους, transl. Oidípous). Famoso por matar o pai e casar-se com a própria mãe. Filho de Laio e de Jocasta, pai de Etéocles, Ismênia, Antígona e de Polinice. Este personagem é conhecido na mitologia grega através da tragédia  Edipo Rei, escrita por Sófocles (por volta de 427 a.C) e ao longo da história ocidental, sendo tema de discussões científicas, literárias e artísticas. Ver SÓFOCLES. Édipo rei. (Traduzido por Domingos Paschoal Cegalla) Rio de Janeiro: DIFEL, 2001. O que Dulce exemplifica aqui é que certos temas míticos de uma dada região servem como referencial para descrever sua cultura histórica em aspectos gerais: militar, religiosa, política, etc.

6 Fausto é o protagonista de uma popular lenda germânica que descreve o pacto de um homem com o demônio, baseada no médico, mágico e alquimista alemão Johannes Georg Faust (1480-1540). O nome Fausto tem sido usado como base de diversos romances de ficção, o mais famoso deles é do autor Johann Wolfgang Von Goethe, produzido em duas partes, tendo sido escrito e reescrito ao longo de quase sessenta anos. A primeira parte – mais famosa – foi publicada em 1806 e a segunda, em 1832 – às vésperas da morte do autor. Ver GOETHE. Fausto e Werther. (tradução de Alberto Maximiliano) São Paulo: Nova Cultural, 2002.

7 Ao trazer o exemplo análogo do livro Macunaíma (1928), é importante entender o período histórico em que surge a célebre personagem deste romancista, musicólogo, cronista, jornalista e poeta Mário de Andrade (1893-1945). Sendo um dos percussores do Movimento Modernista, vivenciou o tenso contexto político que o país atravessava desde o Movimento de 1930 e o surgimento no cenário urbano e cultural, a partir de uma nova proposição artística nacional. Historicamente é um dos nossos grandes intérpretes do Brasil, e como tal, a metáfora de Macunaíma nos faz refletir sobre a transição entre o velho e o novo Brasil.

8 Na mitologia e estudos culturais, Trickster é um deus, deusa, espírito, homem, mulher ou animal antropomórfico que prega peças ou desobedece as regras vigentes de comportamento. Algumas personagens de literaturas nacionais carregam esse simbolismo, como Peter Pan, criado por J.M. Barrie. Um equivalemente imaginário brasileiro – segundo a criação literária de Mário de Andrade – seria o “herói sem nenhum caráter” Macunaíma. Recomendamos o livro  A multilação da alma brasileira – um estudo arquetípico (Vetor, 2006), de Dulce Helena Briza, ao tratar do tema enfatizando alguns mitos brasileiros (Saci, Mula sem Cabeça e Curupira) e suas relações imaginárias mais próximas deste Arquétipo. O que a autora nos permite refletir é que tais análises mitóicas são distintas, por exemplo, de tratados de Ciência Política ou História, quando abordam as manifestações do pensamento coletivo.

9 Nise da Silveira (1905-1999), médica-psiquiatra brasileira, cuja atuação na área médica foi importante para a história da terapia no Brasil. Silveira foi uma árdua crítica de métodos terapêuticos tradicionais (que adotavam eletrochoque e fortes medicamentos nos pacientes) e desenvolver uma metodologia que instigasse a relação afetiva entre médico/internos, possibilitando um outro olhar sobre doenças até então vistas como irreversíveis do ponto de vista patológico, como a esquizofrenia. Seu trabalho no Centro Psiquiátrico Pedro II (1946-1974) foi um divisor de águas na história médica brasileira ao criar o Museu de Imagens do Inconsciente, localizado no bairro Engenho de Dentro, na cidade do Rio de Janeiro. Nise também estabeleceu contato pessoal com Jung, no qual resultou uma importante parceria intelectual e contribuiu sistematicamente para a divulgação de sua obra no Brasil. Para um estudo mais aprofundado, recomendamos o livro Imagens do Inconsciente (Alhambra, 1981).