Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante para ti.
A rosa é uma flor simbólica. Além de sua beleza, perfume e forma é associada à flor de lótus do Oriente, estando ambas muito próximas em significado ao símbolo da roda. Em muitos textos ela é citada como uma manifestação oriunda de águas primordiais, sobre as quais se eleva e desabrocha. Refere-se ainda a uma perfeição acabada, uma realização sem defeitos, a taça da vida, a alma, o coração e o amor. Muito se tem escrito sobre a rosa como objeto de contemplação e, assim como a Mandala, é considerada um centro místico.
No Cristianismo, a rosa é tida como a taça que recolhe o sangue de Cristo ou a transfiguração das gotas desse sangue, ou ainda, as chagas de Cristo. Outros estudiosos a colocam como a imagem de Cristo, de quem a alma recebe o reflexo.
A rosa tornou-se um símbolo do amor, do dom do amor, preferida pelos alquimistas, branca ou vermelha. A rosa branca é associada à pedra em branco, objetivo da pequena obra e a rosa vermelha à pedra vermelha ou a Grande Obra. A maior parte das rosas tem sete pétalas, e cada uma dessas pétalas evoca um metal ou uma operação da obra alquímica.
À medida que dedicamos tempo às questões do sentimento, ao processo de individuação, ao relacionamento com a psique, mais cara ela se torna para nós, mais intensa a nossa capacidade de compreendê-la, de acompanhar seus movimentos, de recebê-la quando se apresenta em suas inúmeras faces. Este tempo dedicado às questões do coração é transformado em libido, em energia psíquica concentrada. Tal investimento torna nossa essência cada vez mais valiosa e especial.
O tempo dedicado ao aprofundamento do sentimento nos aproxima da essência da rosa, da capacidade de amar a natureza de todos os seres, do respeito à singularidade. Alcançar a rosa é alcançar distância do sofrimento de alma e compreensão ao mesmo tempo.
Ao sermos semeados pela individuação somos tocados, iniciados no mistério da rosa, no profundo. Parafraseando James Hillman, quando descemos aos vales profundos e sombrios onde o sofrimento inunda a alma, adquirimos consciência de nossa natureza, nos depuramos através dos longos exercícios de paciência para com nossa massa confusa, cheia da ambivalência dos sentimentos e emoções, de paixões e sofreguidão.
Tentando fugir do exercício que a alma nos impõe, passamos a nos debater, desejosos do paraíso. Nos agitamos, esperneamos contra o desenvolvimento.
Depois de um longo tempo de sofrimento, lutando contra os conflitos com o inconsciente, alcançamos um centro de estabilidade. Deste centro compreendemos a natureza das coisas e adquirimos um distanciamento de nossas penas. Neste ponto a dor cessa, encontramos paz e clareza suficiente para observarmos nossas partes se debatendo em fúria. Alcançamos um ponto onde nos sentimos acima do bem e do mal.
Sob uma nova perspectiva compreendemos então as insistentes tentativas de impedir o crescimento, de escapar à dor, de sair da ignorância. Compreendemos que, apegados ao processo de adaptação, ficamos cegos para o desenvolvimento, presos à ignorância a que nos mantém a sombra, não percebemos que existe “luz depois do túnel”.
Ao alcançarmos o espírito, esta região distante, nos picos elevados, sentimos paz, plenitude, porém esta serenidade não dura para sempre. Logo a alma nos tragará para os vales de novas experiências, de novas lutas, mas guardaremos a lembrança da completude no espírito, pois fomos iniciados nos mistérios da rosa.
O tempo que um analista dedica à própria psique o habilita a se dedicar às demais, porque pôde sentir as dores e as alegrias do seu processo em desenvolvimento.
Não possuir controle sobre os complexos, nossos demônios internos, nos torna mais humildes e torna nosso olhar mais caridoso, paciente e maduro para com a psique alheia. Passamos a perceber como corre o tempo no mundo interno e como seguir o fluxo pacientemente sem induzi-lo nem apressá-lo.
O trabalho com a psique requer compaixão, paciência com conteúdos que teimam em não se mover, cuidado para não distorcer o que nos é apresentado.
E ao final do capítulo o pequeno príncipe diz:-
Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.
Ao que a raposa responde
Os homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa.
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[1] Por motivos éticos, o nome original foi trocado e adotado por nome fictício.
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Os homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa.